Em outubro de 2025, a Climate Central publicou uma atualização do banco de dados de “desastres bilionários” nos Estados Unidos — um projeto cuja manutenção passou a assumir após a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) interromper temporariamente suas operações em maio de 2025.
Nesta atualização, a Climate Central identificou 14 eventos ocorridos entre janeiro e junho de 2025, com perdas estimadas de US$ 101,4 bilhões. Além de uma sequência de tempestades severas, os incêndios na região de Los Angeles sobressaem-se com perdas diretas acima de US$ 60 bilhões.
O Earth.org repercutiu os mesmos números. Não restam dúvidas quanto ao recado para todos os países: risco físico virou risco financeiro. Esses eventos, com um custo irreparável para a vida de milhões de pessoas, resultaram em perdas imensas para setores como infraestrutura, seguradoras e crédito.
Em novembro de 2025, a COP30 chegou à Amazônia, em Belém, no Pará, depois de dois anos em países profundamente dependentes do petróleo. Na busca de um caminho para reduzir combustíveis fósseis sem sacrificar crescimento e segurança energética, diferentes vozes disputaram prioridades.
Entre estas vozes, os povos originários lembraram algo básico: floresta em pé, água, solo e biodiversidade não são “pauta identitária”. Trata-se de ativos nacionais estratégicos.
Após 33 anos da Eco-92, o planeta já encostou no limite político do Acordo de Paris.
Segundo a Copernicus e a OMM, 2024 foi o primeiro ano-calendário em que a temperatura média global ficou acima de 1,5°C em relação ao período pré-industrial.
O Brasil tem credenciais indiscutíveis para liderar a pauta ambiental, a saber: energia relativamente limpa, agroindústria de alta produtividade e o maior estoque de biodiversidade do planeta.
Liderar aqui não significa ajoelhar-se diante de ninguém, mas transformar vantagem competitiva em prosperidade. O tema é fundamental para nós, brasileiros.
O ano de 2025 termina, ainda, com transações secundárias e privadas de ações da SpaceX, transações essas que avaliam a companhia em US$ 800 bilhões.
Circula a hipótese de que a SpaceX possa buscar um IPO em 2026, com expectativa de captar US$ 25 bilhões a um valuation em torno de US$ 1,5 trilhão.
É a humanidade apostando na conquista do espaço?
Não há nada de errado em ambição tecnológica. A inovação espacial impulsiona a ciência, defesa, comunicações e produtividade. O contraste é outro: somos capazes de investirmos no extraordinário, mas hesitamos em financiar o essencial.
Corremos o risco de repetirmos, no espaço sideral, uma lógica de curto prazo de extração predatória, como já fizemos tantas vezes na Terra.
Foi observando esse contraste que cheguei ao livro O despertar do universo consciente: um manifesto para o futuro da humanidade, de Marcelo Gleiser, físico teórico, astrônomo e escritor brasileiro nascido no Rio de Janeiro em 1959.
Publicado em 2024, esse livro curto e potente permite que um leigo como eu entenda, com alguma dignidade, o que a ciência já sabe, e o que ainda não sabe, sobre o Universo.
“Mediocramente comuns”
Quando Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e Johannes Kepler (1571-1630) “deslocaram” a Terra do centro do Universo, algo “quebrou” na psique humana.
A ideia de que somos “mediocramente comuns” no cosmos amplia o nosso drama: não somos o centro, somos periféricos. O universo é vasto, frio, indiferente e não sabe que existimos.
Isso deu origem ao que chamamos de “Niilismo Copernicano” — ou Princípio da Mediocridade. Max Weber (1864-1920) usou o termo “desencanto do mundo” para descrever como a ciência moderna removeu a magia e o mistério sagrado do planeta, no que se convencionou chamar de a perda da visão pré-copernicana.
A ironia é que, do ponto de vista científico, a periferia virou abundância. A sonda Kepler, lançada em março de 2009 para observar continuamente cerca de 150 mil estrelas, mostrou-nos como planetas são comuns e como o “inventário do possível” é gigantesco.
A sonda Kepler confirmou a existência de 2.720 exoplanetas, revolucionando a compreensão de sistemas estelares, além de identificar mundos rochosos em zonas com potencial para água líquida. Até dezembro de 2024, mais de 7.387 exoplanetas foram confirmados, muitos dos quais em nossa galáxia, a Via Láctea.
Com o benefício de todo esse conhecimento, o escritor Gleiser nos mostra em sua obra que, com pelo menos 100 bilhões de estrelas e até um trilhão de planetas, a Via Láctea é uma vasta fábrica de possibilidades.
Estima-se que existam cerca de 3 bilhões de planetas rochosos orbitando na chamada zona habitável, uma cifra que, à luz do Princípio da Mediocridade, sugere que a vida, ao menos em formas simples, deveria ser comum na galáxia.
Afinal, nosso Sol, uma estrela do tipo G, constitui apenas uma entre 7 bilhões semelhantes espalhadas pelo disco galáctico.
Com pelo menos 100 bilhões de estrelas e até um trilhão de planetas, a Via Láctea é uma vasta fábrica de possibilidades
Diante da grandiosidade desses números, Gleiser reforça a exceção: a Terra. Justifica sua afirmação ao explicar que vida complexa exige uma combinação rara de campo magnético protetor, tectonismo suficientemente estável, uma Lua proporcionalmente grande e resiliência atravessando extinções em massa. Mesmo com bilhões de “candidatos”, a sequência de condições necessárias parece improvável.
Aqui entra o eco de Ward e Brownlee, em Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in the Universe.
Ward e Brownlee argumentam que, talvez, o verdadeiro milagre não seja haver “vida” em algum lugar, mas haver “vida complexa” e, derivada desta, consciência. Entre o oceano de possibilidades e a ilha da consciência, seguimos habitando um ponto azul pálido que pode ser, por muito tempo, o único palco da inteligência no universo visível.
Diante dos fatos, a pergunta muda: qual é o nosso papel como vida inteligente? Faz sentido sermos os responsáveis por tornar a Terra um planeta como os demais, rochosos e sem vida complexa?
Talvez nossa real e única missão consista em cuidar da vida na Terra e, portanto, da sua biodiversidade em todas as formas. Gleiser chama isso de biocentrismo.
Eu entendo como um princípio de responsabilidade, não como o culto à natureza ou licença para o autoritarismo. Apoio a ideia de que prosperidade humana duradoura depende de mantermos vivos os sistemas que sustentam nossa existência: água, solo, clima, biodiversidade. Mediríamos nosso “Progresso”, principalmente, pelo que preservamos.
Talvez, quando o “IPO” mais relevante deixar de ser o da SpaceX e passar a ser o “IPO” da Terra, diminuam a tristeza, o cansaço e o desalento da condição humana com um mundo que se tornou distópico nesse início do século XXI.
Garantirmos os recursos necessários para manter a vida de pé, por meio da preservação, restauração, adaptação, ciência, proteção territorial, agricultura regenerativa, saneamento, alimento, educação, moradia etc., tornou-se imprescindível, de forma a protegermos todos os seres vivos, sejam vegetais ou animais.
Não se trata de “vender o planeta”. Precisamos reconhecer que, sem investimento contínuo no capital natural da Terra, não existe uma razão de ser de nossa espécie.
Fersen Lambranho é presidente dos conselhos de administração da GP Investments e da G2D Investments


